O dia se renova todo dia
Eu envelheço cada dia e cada mês
O mundo passa por mim todos os dias
Enquanto eu passo pelo mundo uma vez
Alvaiade
(Velha Guarda da Portela)
A proposta desta tese como uma publicação aberta, na perspectiva de um livro-rizoma, como anunciado no “Começo”, supõe necessariamente um “Recomeço”, que como um ciclo ou os ponteiros de um relógio, retorna àquele fato da árvore de esquecimento e nos remete àquela leitura equivocada que os escravagistas fizeram da significação que tem as árvores na cosmovisão africana, ou seja, como uma entidade de memória e também de imanências, de testemunho de um tempo circular, ao mesmo tempo passado, presente e futuro, que, diferentemente da noção unívoca do tempo mitológico do Deus “Chronos”, inclui também o seu filho “Kairós” e está próxima daquele Devir que Deleuze e Guattari nos indica para o mundo contemporâneo.
Este Devir ou visão de mundo que considera o tempo um ciclo permanente e nos impõe a viver em luta permanente entre a vanguarda e a velha guarda” – que o sambista Alvaiade nostalgicamente sintetiza nos versos acima –, nos mostra o quanto essa luta e visão de mundo foram fundamentais para permitir ao samba – como mostramos nos itens anteriores – a capacidade de sempre “dar a volta por cima” e ao mesmo tempo guiar a abordagem cartográfica desta tese.
Como Deleuze e Guattarri, no 5º e 6o – Princípio de cartografia e de decalcomania, nos diz: “existem estruturas de árvore ou de raízes nos rizomas, mas, inversamente, um galho de árvore ou uma divisão de raiz podem recomeçar a brotar em rizoma. A demarcação não depende aqui de análises teóricas que impliquem universais, mas de uma pragmática que compõe as multiplicidades ou conjuntos de intensidades. No coração de uma árvore, no oco de uma raiz ou na axila de um galho, um novo rizoma pode se formar”[1], eles defendem a coexistência de árvores e rizomas, de história e devir, de árvores e gramas, como metaforicamente, também defendemos para uma abordagem rizomática para a produção de conhecimento sobre o samba e o carnaval nesta tese, envolvendo a sua tradição e sua inovação, a sua genealogia e a sua rede, ou seja, a sua árvore e a sua grama.
Portanto, ao buscar com o “Tempo” semear e sedimentar conhecimento sobre o samba e o carnaval entre árvores e grama, para os múltiplos Pontos de Vistas desta tese, aceitamos que eles são ciclos abertos a novas intervenções, abordagens, devires ou linhas de fuga. Ou seja, propensos a recomeços.
Assim, espera-se sempre um recomeço para todos os Pontos de Vista e intervenções aqui abordadas. Daí as expectativas por uma Ontologia do Samba na web, no Ponto de Vista 2 – O que é Samba; Daí uma esperança pela continuidade do Congresso Nacional do Samba e do Prêmio Edison Carneiro tratados no Ponto de Vista 4 – O Mundo do Samba; Daí uma esperança pela continuidade do Encontro Internacional de Samba e Carnaval, tratado no Ponto de Vista 5 – O Samba no Mundo; Daí a proposta pelo desenvolvimento da Rede Internacional de Samba e Carnaval, proposta no Ponto de Vista 6 – Samba Global; Daí a acreditar num devir-mundo do samba pelo que ele representa de antídoto a um capitalismo cada vez mais voraz e cognitivo que se apropria de tudo que de mais humano tem no Muntu, na Alegria, no Axé, no Amor e na Potência das Multidões.
Sendo esta, a nossa ética para a globalização do samba, aceitamos como sambistas todos os agentes de samba e carnaval do mundo, incluindo aqueles que surgem recentemente do continente africano, a exemplo do recente grupo “Eko Samba Community”, de Lagos na Nigéria, que desfila no também recente “Lagos Carnival”.
Entendemos que esse retorno do samba ao continente africano e o reencontro de sambistas brasileiros com africanos[2] sinalizam a assertividade da nossa tese sobre um devir-samba no mundo, ou seja, um samba que se faz global. Como também, a influência da cosmovisão africana para as culturas brasileira e mundial: afinal, originalmente o samba veio de lá, como a própria humanidade, segundo Cheikh Anta Diop. [3]
Fig. 52 – Encontro dos mestres Ailton Nunes, da Mangueira e Seyi Joseph, da Eko Samba School
Fig. 53 – Membros da Eko Samba School, da Lagos, Nigéria
Fig. 54 – Anúncio do Lagos Carnival, na Nigéria
Como vimos, o samba já conquistou sambistas na América, Europa e na Ásia. Estaria ele finalmente voltando renovado para conquistar também novos sambistas no continente que lhe deu origem? Estaria o inquice “Tempo”, dando um novo sentido àquela árvore do esquecimento? Dando uma volta por cima e semeando formas alegres, amorosas e potentes de vida para todo o mundo?
…Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo, tempo, tempo, tempoPeço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempoDe modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempoOração ao Tempo – Caetano Veloso
[3] Historiador e antropólogo senegalês que estudou as origens da raça humana e a cultura africana pré-colonial. Foi considerado um dos maiores historiadores africanos do século XX.