Nesse quarto ponto de vista “O mundo do samba” buscamos estudar o samba – e o carnaval – no contexto brasileiro de forma a posteriormente confrontá-lo ou inserí-lo num contexto mais amplo do “samba no mundo”. Para isso, no ano de 2012, optamos por usar como vivência e ponto de partida para esse estudo a investigação e comemoração de três fatos históricos que, embora esquecidos, julgamos importantes para o mundo do samba, ou seja: as comemorações do cinquentenário do 1º Congresso Nacional do Samba, dos mesmos cinquenta anos da “Carta do Samba” – importante documento que resultou do referido Congresso e instituiu o “Dia Nacional do Samba”; além da comemoração dos cem anos de nascimento do escritor, folclorista e pesquisador Edison Carneiro, idealizador e coordenador daquele Congresso e redator daquela Carta do Samba.
Essa opção foi fruto de uma breve pesquisa para saber quais foram os motivos que originaram a instituição do Dia Nacional do Samba, dado que nos últimos anos, muitas instituições, promoveram eventos comemorativos à data sem, no entanto, esclarecer sobre, afinal, qual fato histórico tornou esta data um dia marcante para o mundo do samba.
Partindo de apenas uma pista: a que dizia que o responsável pela indicação da data teria sido o então presidente da Confederação Brasileira das Escolas de Samba (CBES), Paulo Lamarão, situamos o cenário onde tudo aconteceu: o I Congresso Nacional do Samba, realizado no Palácio Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, entre 28 de novembro e 2 de dezembro de 1962 e, patrocinado pela Confederação Brasileira das Escolas de Samba – CBES em conjunto com a também extinta Associação Brasileira das Escolas de Samba (ABES), a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, o Conselho Federal de Cultura e a Ordem dos Músicos do Brasil.
Neste importante cenário foi sancionado a lei estadual do deputado Frota Aguiar declarando o dia 2 de dezembro, Dia do Samba, a partir do documento intitulado “Carta do Samba”, datado em 2 de dezembro de 1962 e, que continha recomendações formuladas no Congresso por compositores, intérpretes, sambistas, estudiosos e admiradores. A carta tinha como objetivo preservar as características tradicionais do samba e fazer frente às ameaças internas (samba-bolero, samba-choro, bossa nova, etc) e externas (rock, twist, etc), que segundo o teor do documento, estariam causando desvirtuamento à origem do gênero.
Em síntese, a carta falava de um assunto recorrente ainda nos dias de hoje, ou seja, sobre os desvirtuamentos do samba e as formas de protegê-lo; mas ao ler esse documento, contextualizar o evento e identificar os seus signatários, entendemos a importância desse dia para a história do samba. O Congresso discutiu em comissões, durante cinco dias, temas como ” A preservação das características tradicionais do samba”, “Os aspectos positivos e negativos da comercialização”, “Aspectos da instrumentação e orquestração”, “Coreografia”, “Proteção aos direitos de autor”, “Divulgação do samba no exterior”, “Fusão da Confederação Brasileira das Escolas de Samba – CBES com a Associação Brasileira das Escolas de Samba – ABES e a “Criação do Palácio do Samba”.
Nessas discussões participaram importantes personalidades do mundo do samba e do carnaval na época, como Pixinguinha, Ari Barroso, Aracy de Almeida, Almirante, Pascoal Carlos Magno, Jota Efegê, José Ramos Tinhorâo, Paulo Tapajós, Donga, Sergio Cabral, Haroldo Costa, Marilia Batista, Paulo Lamarão (CBES), Servan Heitor de Carvalho (ABES), o maestro José Siqueira (Ordem dos Músicos) e o pesquisador e escritor Edison Carneiro, relator das recomendações, que se transformaram nessa histórica “Carta do Samba”.
Segundo declaração de Edison Carneiro, na Carta do Samba, o Congresso Nacional do Samba valeu por uma tomada de consciência: aceitou-se a evolução normal do samba como expressão das alegrias e das tristezas do povo, mas também se reconheceu os perigos que cercam essa evolução, buscando encontrar modos de neutralizá-los, sem uma conotação saudosista”.
Fig. 20 – Edison Carneiro e a Carta do Samba
A partir dessa breve pesquisa histórica, que serviu como ponto de partida, optamos também por reeditar a segunda edição daquele Congresso Nacional do Samba, de forma a marcar a importância daquelas efemérides e promover, cinquenta anos depois, uma releitura daquela Carta do Samba com novos sambistas, pesquisadores e estudiosos do samba.
A realização do 2º Congresso Nacional do Samba, que ocorreu no período de 30 de novembro a 2 de dezembro de 2012, foi uma grande ousadia, um belo desafio e, consequentemente, uma interferência importante para a pesquisa e uma experiência muito rica para todos os participantes, os parceiros institucionais e os sambistas envolvidos. Ousadia porque pretendeu reeditar um congresso cinquenta anos após a sua primeira edição, um belo desafio porque teve apenas três meses para organizar e produzir essa comemoração, e uma rica experiência porque rememorou com e para uma nova geração de sambistas, pesquisadores e estudiosos, aqueles três marcos importantes na história do samba: o 1º Congresso Nacional do Samba, a Carta do Samba, de 2 de dezembro de 1962 – que instituiu esse dia como o Dia Nacional do Samba – , como também, o centenário de nascimento do escritor e pesquisador de cultura popular brasileira, Edison Carneiro, idealizador daquele 1º Congresso e relator dessa famosa, mas não muito conhecida, Carta do Samba[1].
Considerado o primeiro documento de política pública para o samba e o carnaval, a Carta do Samba foi o tema e a referência principal para o 2º Congresso Nacional do Samba, uma vez que ele procurava contribuições atuais de sambistas, lideranças e pensadores para melhor definir a política, a missão e o conteúdo da futura Rede de Agentes de Samba e Carnaval (mencionada no Ponto de Vista 4). Isso porque há cinquenta anos, naquele 1º Congresso Nacional do Samba, já se travava desse embate entre a tradição e a modernização do samba e do carnaval, essa preocupação sobre a descaracterização do samba diante da sua evolução e comercialização, supostamente descontroladas, tão recorrentes nos dias de hoje quando se fala em patrocínio de enredos, empreendedorismo cultural e economia criativa nesses segmentos de samba e carnaval.
Guardadas as naturais dificuldades, decorrentes do curto prazo para sua realização, o 2º Congresso Nacional do Samba foi um sucesso. A começar por sua emblemática solenidade de abertura, no dia 30 de novembro de 2012, no salão nobre do Palácio Pedro Ernesto, o mesmo local onde ocorreu o 1º Congresso Nacional do Samba: a então Assembleia Legislativa do Estado da Guanabara, atual Câmara Municipal do Rio de Janeiro. A solenidade, que recebeu um público aproximado de quinhentos e cinquenta pessoas, entre artistas, personalidades do samba, do carnaval, da academia e da política, teve seu ponto alto na homenagem que prestou em vida aos jornalistas e escritores Haroldo Costa, José Ramos Tinhorão e Sergio Cabral, remanescentes daquele 1º Congresso e, pós mortem, a Edison Carneiro, com a medalha Pedro Ernesto.
Fig. 21 – Haroldo Costa, José Ramos Tinhorão e Sergio Cabral
O evento também contou com a cerimônia de hasteamento das bandeiras das velhas guardas das escolas de samba, apresentações musicais da jovem guarda do samba e a cobertura da imprensa.
Fig.22 – Abertura do 2º Congresso Nacional do Samba
Nos dias 1 e 2 de dezembro de 2012, seguintes à solenidade de abertura, o 2º Congresso Nacional do Samba reuniu nas instalações do Museu da República artistas, sambistas, estudiosos e pesquisadores de samba e carnaval, numa média de 150 pessoas por dia, para as conferências e mesas-redondas, cujas temáticas buscaram atualizar aquelas mesmas do 1º Congresso Nacional do Samba. A programação incluiu a comunicação de trinta e seis trabalhos selecionados para as mesas-redondas – de um total de oitenta e um trabalhos inscritos – e a de onze conferencistas convidados, nos seguintes eixos temáticos: I – A Diversidade do Samba e o Patrimônio Cultural Imaterial; II – O Samba e suas Performances; III – Samba, Carnaval e Redes Sociais; IV – Samba, Carnaval e Direitos Autorais; V – Samba, Economia Criativa do Carnaval e Globalização; VI – Samba e Territorialidade, como mostra quadro 5 abaixo.
Eixos temáticos do 1º Congresso Nacional do Samba de 1962 | Eixos Temáticos do 2º Congresso Nacional do Samba de 2012 |
I – Preservação das características tradicionais do samba: | I – A Diversidade do Samba e o Patrimônio Cultural Imaterial |
II – Coreografia.
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II – O Samba e suas Performances |
III – Possibilidade de fusão das organizações de escolas de samba | III – Samba, Carnaval e Redes Sociais |
IV – Proteção aos direitos do autor
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IV – Samba, Carnaval e Direitos Autorais |
V – Divulgação do samba no exterior. | V – Samba, Economia Criativa do Carnaval e Globalização |
VI – Criação do Palácio do Samba
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VI – Samba e Territorialidade |
Fig. 23 – Seções do 2º Congresso Nacional do Samba
O 2º Congresso Nacional do Samba foi encerrado propositalmente no dia 2 de dezembro de 2012 – Dia Nacional do Samba -, com uma programação cultural intensa na região portuária do Rio de Janeiro, envolvendo aproximadamente quatrocentas pessoas na tradicional Lavagem da Pedra do Sal – feita pelas baianas do Afoxé Filhos de Gandhi do Rio de Janeiro, em cerimônia religiosa no sítio arqueológico do Cais do Valongo –, local de enorme carga simbólica, por onde, vindos da África, aportaram os escravos na cidade e, numa roda de samba com feijoada na Pedra do Sal – local também muito significativo para a história do samba.
Fig.24 – Encerramento do Congresso na Região Portuária do Rio de Janeiro
Para este estudo sobre o mundo do samba, avaliamos que essa intervenção foi muito positiva na medida em que inserimos e impactamos na pesquisa um público participante de sambistas, admiradores, pesquisadores e estudiosos de samba, que apresentaram e debateram seus artigos nos seis eixos temáticos do 2º Congresso Nacional do Samba, produzindo desse encontro dos pesquisadores e sambistas com o objeto desta pesquisa – como é próprio método da pesquisa-intervenção – a produção de mais conhecimento para o samba e para esta pesquisa (MIRANDA, ULHOA, 2012)[2].
Fig.25 – Programação e Anais do 2º Congresso Nacional do Samba
Da análise dessa intervenção e do conhecimento produzido no congresso, apesar da diversidade de assuntos, das questões contemporâneas, como redes sociais, globalização, políticas públicas, papel do Estado, direitos autorais, e das muitas contribuições nos seis eixos temáticos, deduzimos, que mesmo nos dias atuais, ainda é recorrente aquele eterno embate – na questão central da Carta do Samba – entre a preservação da tradição do samba e as críticas à sua modernização, especialmente quando diz respeito àquelas inovações representadas pelas novas tecnologias, pelo gigantismo dos desfiles, pela excessiva comercialização da festa, pela elitização do público do desfile, pela valorização excessiva de artistas em detrimento dos verdadeiros sambistas, ou seja, sobre a velha disputa entre os representantes da tradição e os da modernização da cultura em geral e os do samba e do carnaval em especial, tal como dizíamos sobre essa relação entre samba e carnaval no “PONTO DE VISTA 3”, ou mesmo quando apontávamos aquele embate entre a história e o devir do samba no “PONTO DE VISTA 2”.
Resumidamente, observamos que a recorrência desse eterno embate entre a tradição e a inovação no mundo do samba, tem de um lado o próprio samba, enquanto manifestação cultural tradicional e patrimônio imaterial do Brasil e do outro, o carnaval, seu principal evento, que desde 1935 vem sendo inovado com os mais diversos recursos comerciais, midiáticos, tecnológicos e performáticos disponíveis, intermediados por representantes de um segmento ou movimento já batizado de Indústria cultural, Indústria criativa, economia da cultura, e mais recentemente “Economia Criativa”. Observamos também que esse segmento do Criativo parece ainda não ser a solução para resolver esse embate, uma vez que ele é fundado sob a égide das leis internacionais de propriedade intelectual e de direitos autorais, que privatiza, cerceia e se apropria da criatividade coletiva das culturas populares. É fato a sua real dificuldade em atribuir, conjulgar, calcular e equacionar esses valores imateriais e materiais do samba e do carnaval num cenário contemporâneo de capitalismo global e cognitivo. Ou seja, de compatibilizar as dimensões sociais, culturais e simbólicas com a dimensão econômica dessas manifestações culturais.
Partindo desse diagnóstico, acordou-se que o Congresso Nacional do Samba deveria ter continuidade e periodicidade, por, pelo menos, de dois em dois anos, para debater, aprofundar e atualizar essas questões e suas possíveis soluções. Como também, acordou-se que o Congresso deveria trazer para o debate, outras contribuições de cunho mais prático e de experiências exitosas no segmento de samba e carnaval, além das contribuições acadêmicas.
Sendo assim, dada a importância de Edison Carneiro[3] para o samba e a cultura popular e como um dos pioneiros nesse debate, propôs-se a instituição de um prêmio em seu nome para premiar e abrigar nos próximos congressos essas contribuições de cunho prático e de experiências exitosas no segmento de samba e carnaval, além da realização do 3º Congresso Nacional do Samba para o mês de dezembro de 2014, coincidindo, como nos congressos anteriores, com a semana do Dia Nacional do Samba e visando aprofundar aquelas dimensões sociais, culturais, simbólicas e econômicas do samba e do carnaval.
Fig. 26 – Logo do Prêmio Edison Carneiro
Entendida a importância da continuidade do Congresso e da instituição do prêmio, a proposta foi cumprida e, em 30 de novembro de 2014, realizou-se no Museu de Arte do Rio – MAR, a festa de entrega dos premiados nas quinze categorias do Prêmio. Em seguida, nos dias 1º e 2 de dezembro, realizou-se também o 3º Congresso Nacional do Samba com a comunicação das experiências exitosas desses premiados, no Palácio Gustavo Capanema, do Ministério da Cultura, na cidade do Rio de Janeiro.
Fig. 27 – Convite da Festa de Entrega do Prêmio Edison Carneiro
O “Prêmio Edison Carneiro”, teve a proposta de valorizar e premiar ações no âmbito das produções acadêmica, literária, jornalística; da inovação e empreendedorismo e, da valorização e promoção cultural, do segmento de samba e carnaval[4]. Foi realizado pela Rede de agentes de samba e carnaval do Portal do Carnaval e premiou em quinze categorias as melhores ações em cada categoria. As quinze ações premiadas, de um total de 154 ações inscritas no período de março a agosto de 2014[5], foram as seguintes:
1) Produção acadêmica:
Melhor tese sobre samba e carnaval:
Guilherme Faria (“O G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro e as representações do negro nos desfiles das escolas de samba nos anos 1960”);
Melhor dissertação sobre samba e carnaval:
Bruno Baronetti (“Da oficialização ao sambódromo: um estudo sobre as escolas de samba de São Paulo (1968-1996)”);
Melhor monografia sobre samba e carnaval:
Ricardo de Moraes (“Políticas públicas para os desfiles das escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro”)
2) Produção literária não acadêmica:
Melhor obra/livro/texto literário de não ficção sobre samba e carnaval:
Fábio Bastos (“Titias da Folia – o brilho maduro de escolas de samba de alta idade”); Melhor obra/livro/texto literário de ficção sobre samba e carnaval:
Raphael Moreira (“SAMBA MENINO – a história do samba contada para a criançada”); Melhor sinopse/argumento/justificativa de enredo de escola de samba:
Rafael Moreira de Oliveira (“Máscaras…uma viagem misteriosa de arte e sedução”).
3) Produção jornalística:
Melhor matéria sobre samba e carnaval:
Mariana Filgueiras (“Eles param os blocos”);
Melhor fotografia sobre samba e carnaval:
Samuel Vieira (“Escola de Afeto”);
Melhor documentário sobre samba e carnaval:
Theresa Jessouroun (“Coração do samba”).
4) Inovação e Empreendedorismo:
Empreendimento economicamente mais inovador no segmento de samba e carnaval: Rafael Leite (“Percussão Brasil e NECUP: Uma Trajetória em Busca da Renovação do Carnaval de Belo Horizonte”);
Empreendimento socialmente mais inclusivo no segmento de samba e carnaval:
Pedro Gava (“Ala Loucos pela X” – São Paulo);
Empreendimento ambientalmente mais sustentável no segmento samba carnaval:
Sérgio Silva (“workshop de carnaval – atelier de adereços com material reciclável”.
5) Valorização e promoção cultural:
Melhor roda de samba em espaço público:
Roda de Samba da Pedra do Sal (Walmir Baptista);
Melhor acervo histórico sobre samba e carnaval:
Centro Cultural Cartola (Nilcemar Nogueira);
Melhor evento de promoção do samba e do carnaval brasileiro fora do Brasil: International Samba Festival Coburg – Alemanha (Nini Beyersdorf).
Fig. 28 – Premiados na 1ª Edição do Prêmio Edison Carneiro
Fig. 29 – Cartaz do 3º Congresso Nacional do Samba
Foi também realizado em 01 e 02 de dezembro, no Palácio Capanema, o “3º Congresso Nacional do Samba”, com o tema “Samba & Carnaval – atores, visões e realizações”, onde os premiados buscaram refletir e debater com os participantes (profissionais e estudiosos deste segmento), as questões temáticas do congresso, tendo como referência suas próprias ações exitosas e premiadas. As cinco mesas-redondas foram compostas pelos jurados e premiados de cada categoria e foram divididas nos seguintes painéis: Painel Saber e Ciência, Painel Razão e Emoção, Painel Registro e Comunicação, Painel Inovação e Negócio e Painel Cultura e Ócio, como mostra folheto abaixo.
Fig. 30 – Programação do 3º Congresso Nacional do Samba
O conhecimento extraído dessas vivências nos mostrou que o mundo do samba é um vasto campo social ainda a ser explorado e estudado no Brasil, em especial, nos seus aspectos políticos, econômicos, sociais e simbólicos. Desde a gravação do samba/maxixe Pelo Telefone, inaugurando a inserção do samba na indústria fonográfica e instituindo os direitos autorais e a profissionalização do sambista no Brasil, bem como as transformações impostas pelo samba ao carnaval, é forçoso refletir sobre a dimensão dessa manifestação cultural na sociedade brasileira, sobre o seu trajeto e as suas circunstâncias nos dias atuais.
De uma reflexão inicial é fácil constatar que o Samba nunca esteve tão bem: basta observar o quanto ele conquista cada vez mais amantes e platéias, cada vez mais é gravado e veiculado nos meios de comunicação, cada vez mais é praticado e assistido nas rodas, nos terreiros, nos bares, nos palcos ao ar livre ou das casas de show que se multiplicam, por sua conta, em muitas cidades do País; sem contar com o seu reconhecimento pela Unesco e IPHAN, respectivamente, como patrimônio imaterial da humanidade e do Brasil e, a sua atuação nas festas e desfiles de carnaval, através das muitas escolas de samba, dos blocos que se multiplicam, das alas e grupos que se proliferam dentro e fora do Brasil.
Uma análise mais apurada, na dimensão econômica, porém, aponta para questões mais complexas e não tão fáceis de serem respondidas. A começar por saber pelas radicais transformações que a sociedade contemporânea vem impondo, com uma economia global, às atividades e aos mercados culturais como um todo e, consequentemente, às atividades a ao mercado do samba e do carnaval, em particular: são, de fato, os verdadeiros sambistas ou as comunidades tradicionais de samba, os que mais se beneficiam com toda essa evolução, expansão, reconhecimento e importância do samba? O que pode nos dizer ou fazer o saber científico e o saber popular sobre essas questões do samba, na dimensão cultural – enquanto recurso de identidade e pertencimento –; na dimensão econômica – enquanto fonte distribuída de emprego e renda, de inovação, empreendedorismo e exportação -; na dimensão social – enquanto recurso de cidadania e inclusão social e cultural?
A proposta de reedição do Congresso Nacional do Samba e do Prêmio Edison Carneiro visaram justamente buscar respostas para essas questões. Apostamos que o aprofundamento dessas questões se dará justamente com a continuidade desses eventos nas novas edições.
[3] Poeta, escritor, folclorista e pesquisador, Edison Carneiro foi nascido e criado na Bahia, onde cresceu numa grande casa que acolhia amigos de juventude para debates e reuniões sobre literatura e questões político-sociais, como Jorge Amado, Guilherme Dias Gomes e Aydano Couto Ferraz, entre outros. Teve seu interesse pela escrita e pelo estudo ali despertado, e nesse contexto fundou a “Academia dos Rebeldes”, com poetas, romancistas e cronistas. Desde 1976, o “Museu de Folclore”, localizado no Rio de Janeiro, tem o seu nome. Em 1936, o Jorge Amado publicou no jornal “O Estado da Bahia” artigo sobre Edison, devido ao lançamento de seu livro “Religiões Negras”, tendo afirmado: “eu o admiro e o amo como a um irmão que sabe muito, que todo dia me ensina uma coisa nova”. Já no Rio, na década de 40, atuando em várias frentes de trabalho, publicou “Candomblés da Bahia” (1948), “Antologia do Negro Brasileiro” (1950), “Dinâmica do Folclore” (1950), “Linguagem Popular da Bahia” (1951), “O Negro em Minas Gerais” (1956), “A Sabedoria Popular” (1957), “Samba de Umbigada” (1961), “O Folclore no Brasil” (1963) e “Ladinos e Crioulos” (1964). Em 1961, assumiu a direção da então “Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro”, hoje “Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular”… Imbuído desse espírito de vanguarda, em dezembro de 62 idealizou e realizou o “1º Congresso Nacional do Samba” e, durante o encerramento, redigiu e publicou a “Carta do Samba”. Nela, propôs “medidas práticas e de fácil execução para preservar as características tradicionais do samba”. Em 1964, foi demitido do cargo de diretor pelo regime militar. Ele também recebeu da Academia Brasileira de Letras o “Prêmio Machado de Assis” pelo conjunto de sua obra. Entre outros títulos, estão o de grande benemérito da “Escola de Samba Portela” e de sócio honorário da “Escola de Samba Mangueira” e “Acadêmicos do Salgueiro”, no Rio de Janeiro, do “Afoxé Filhos de Gandhi”, na Bahia, e do “Clube de Frevo Pás Douradas”, de Recife. Falecido em dezembro de 1972, deixou fecunda e efetiva contribuição para os estudos da cultura popular que repercutem até os dias de hoje. Fonte: (http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Materia=284)
[4] Como atividades do segmento de samba e carnaval definiu-se o circuito das rodas de samba em espaços públicos e privados, o circuito de shows em casas noturnas, clubes e espaços públicos e privados, os ensaios e desfiles de escolas de samba e os ensaios e desfiles de bandas e blocos de rua.
[5] Detalhes dessas propostas inscritas podem ser conhecidas no hotsite: www.portaldocarnaval.net/premio