Sumário

Como citar:
MIRANDA, Jair Martins de. Samba global: o devir-mundo do samba e a potência do carnaval do Rio de Janeiro - análise das redes e conexões do samba no mundo, a partir do método da cartografia e da produção rizomática do conhecimento / Jair Martins de Miranda - Rio de Janeiro, 2015, disponível em: http://sambaglobal.net/web-tese/

Web-Tese – Samba Global     Autor: Jair Martins de Miranda       Orientador: Prof. Dr. Giuseppe Cocco

PONTO DE VISTA 7 – O DEVIR-MUNDO DO SAMBA E A POTÊNCIA DO CARNAVAL DO RIO DE JANEIRO

A vivência no mundo do samba, no samba no mundo e nas redes sociais de samba e carnaval, além da observação das subjetividades apresentadas subliminarmente nas várias esquinas da pesquisa e dos fatos experimentados, trouxe um rico material de análise que atesta a nossa tese de que o samba é muito mais do que uma manifestação cultural e que o Carnaval do Rio de Janeiro, seu maior evento, embora capturado pelo capitalismo global, é muito mais do que um mega-espetáculo de interesse meramente comercial do segmento turístico ou da Economia Criativa, é muito mais do que aquele maior espetáculo da Terra, que é vendido pelo trade turístico da Cidade.

Embora cada vez mais capturado por um capitalismo global e voraz e a serviço dos interesses publicitários de empresas e de legitimação política das várias instância dos Estados e dos interesses públicos e privados pela celebridade que o samba e o Carnaval do Rio de Janeiro oferecem, o que, de fato, o samba e o carnaval carioca vendem para o mundo ainda é aquele Mûmtu, Axé, Alegria, Devir, Potência e aquele Amor, que fundamentamos filosoficamente no Ponto de Vista 2 – “O que é Samba?” da nossa pesquisa.

Entendemos que Mûmtu, Axé, Devir, Potência, Alegria ou Amor sejam conceitos compatíveis entre si, sim, e continuam afetando o mundo do samba e o do carnaval no mundo contemporâneo. No entanto, na perspectiva de um devir-brasil do mundo e de um devir-mundo do Brasil, de que nos fala COCCO[1], sendo o samba e o carnaval os bens simbólicos mais caros ao Brasil, expectamos um “devir-mundo do samba” e a potência do carnaval – a exemplo do carnaval do Rio de Janeiro – como recursos valiosos para um novo cenário de lutas no mundo contemporâneo como antídoto a um capitalismo voraz e global que se apropria dos corpos e das almas de homens, mulheres e trabalhadores num mundo cada vez mais cognitivo e criativo.

Porém, é fato, que o trabalho cognitivo e criativo na área do samba e do carnaval no Rio de Janeiro – e também em países fora de suas fronteiras -, ainda é exercido em sua maioria na informalidade por foliões, artistas, sambistas e trabalhadores negros e pobres, historicamente expropriados da sua cultura e da sua força de trabalho pelas próprias escolas de samba, instituições culturais (públicas e privadas). Esse trabalho, como vimos no Ponto de Vista 3 – A Potência do Carnaval Depois do Samba”, vem sendo cada vez mais capturado por produtores culturais, de âmbito nacional e internacional, e por sofisticadas estratégias publicitárias de empresas patrocinadoras, em nome do que se convencionou chamar de Economia Criativa, numa evidente disputa para capitalizar ainda mais aquele devir do samba e aquela potência do carnaval, tanto no sambódromo[2], como no carnaval de rua[3] e nos palcos[4], conforme ilustram anúncios das campanhas publicitária nos quadros abaixo:

Fig. 47 – Anuncios de empresas de venda de camarote no Sambódromo

Fig. 48 – Anúncio do Musical SamBra

 

Fig. 49 – Anúncio do Carnaval de Rua no Rio de Janeiro

Portanto, sabedores de que vivemos em outro tempo, sob diversas formas de luta e em outro “Kayrós”. E igualmente sabedores de que o samba e o carnaval enfrentam dilemas contemporâneos modulados por novos estratagemas do capitalismo na sociedade pós-industrial, com um retorno à segregação e à camarotização[5], e com os aspectos negativos da globalização do samba e da mundialização do carnaval brasileiro, faz-se necessário o surgimento de outra turma do Estácio – ou outra Multidão de sambistas – para criar outras linhas de fuga, uma nova “volta por cima” para o samba e o carnaval; É preciso reinventar um outro tipo de  “malandragem” – ou de produção ontológica -, como aquela dos sambistas do “Deixa Falar” para a comunidade afrodescendente do Rio de Janeiro e para o samba e o carnaval.

Nossa observação é que essa reinvenção, essa nova volta por cima do samba e do carnaval parece se evidenciar principalmente em três linhas de fuga, ou seja: nas rodas, nas ruas e nas redes.

Nas rodas porque, parafraseando Roberto Moura (2004), “no princípio era a roda”[6]. O que significa dizer que as rodas de samba – especialmente aquelas que também crescem exponencialmente nas ruas, a exemplo do que acontece na da Pedra do Sal, são as que melhor conservam aquele Devir, Muntu, Axé ou aquela cosmovisão africana do samba.

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Fig. 50 – Roda de Samba da Pedra do Sal

Nas ruas porque o espaço da rua é menos segregado e permite a criação do que mais se aproxima de uma verdadeira “Multidão” Negriana[7], ou seja, o verdadeiro encontro de singularidades. Nesse sentido, por ser gratuito e de acesso público, é notório o fenômeno dessa “Multidão” nos ensaios técnicos das escolas de samba no sambódromo e nas ruas de suas comunidades nas prévias do carnaval: a força que agrega os corpos daquelas pessoas pobres no sambódromo nos ensaios técnicos é totalmente distinta daquela que reúne as pessoas nas frisas e nos camarotes durante o desfile oficial[8]. É notório, também, o crescimento dessa “Multidão” nos desfiles das escolas de samba dos grupos e A, B, C, D e E que se apresentam na Estrada Intendente Magalhães, em Campinho, com arquibancadas gratuitas e fora dos holofotes e câmeras de Televisão e cobertura da grande mídia. Além dos desfiles dos blocos de rua no Rio de Janeiro – a exemplo do gigantesco desfile do Monobloco na Av. Presidente Vargas -, de outros grandes desfiles de rua em São Paulo e em muitas cidades do Brasil e do mundo. Em especial nos verões da Europa, Estados Unidos e Japão – a exemplo do Asakusa Samba Carnival –[9].

Fig. 51 – Público do Bloco Monobloco na Av. Presidente Vargas no Carnaval de 2015

 Fig. 52 - Asakusa Samba Carnival, tradicional desfile do carnaval brasileiro em Tókio

Fig. 52 – Público do Asakusa Samba Carnival, estimado em 500 mil pessoas, ao longo do tradicional desfile em Tókio

Nas redes porque as redes sociais na web, como vimos no Ponto de Vista 6 – Samba Global – Rede Internacional de Samba e Carnaval, pode se constituir hoje no grande território ou terreiro do samba. Não mais aquele terreiro da Tia Ciata, na Saúde – ou este da gravura abaixo do Rugendas, onde tudo começou -, mas este que é, ao mesmo tempo, a nova fonte e o novo espaço de lutas, de constituição de uma nova ética e uma nova estética para uma multidão de sambista[10]; veículo do Devir-Mundo do Samba e da potência do Carnaval para essa nova civilização conectada que se anuncia no planeta. Daí as intervenções desta pesquisa-intervenção por uma Ontologia do Samba na web, pela continuidade do Congresso Nacional do Samba, do Encontro Internacional de Samba e Carnaval e do Prêmio Edison Carneiro e, pela globalização do samba e “desterritorialização positiva”[11] do samba através da Rede Internacional de Samba e Carnaval.

Fig. 53 – Gravura “Batuque” de Rugendas, retratando uma roda de música de escravos

 

[1] No livro “MundoBraz: o devir-mundo do Brasil e o devir-Brasil do mundo” (COCCO, 2009)

[2] É importante notar que os espaços das frisas do sambódromo foram concebidos originalmente pelo Arquiteto Oscar Niemeyer para uso popular das comunidades das escolas de samba. Logo no início modificaram seu uso e foram usados como frisas caríssimas para pequenos grupos fechados e, gradualmente, esses espaços vêm sendo usados para a extensão dos grandes camarotes privados para outros fins, como festas com música eletrônica, rock. Hip hop, etc, além áreas VIPs e encontros de negócios.

[3] A Campanha “Carnaval da Boa” não só divulga a programação dos blocos de rua para foliões: também os captura em rede através de aplicações APP para celulares e páginas no Facebook.

[4] O título do espetáculo SAMBRA, por exemplo, patrocinado pelo Banco Bradesco e que conta a história do samba, tenta vender muito mais a ideia do SAMba , como um produto do BRAdesco do que um bem comum brasileiro.

[5] Cunhado pelo prestigiado filósofo político americano Michael Sandel e traduzido do inglês skyboxification, o neologismo “camarotização”. está associado à ideia de segregação, vista pelo autor na separação entre mais e menos abastados em estádios e outros espaços de eventos, mas também em diferentes lugares na sociedade. No caso brasileiro, pesquisadores destacam casos exemplares como as áreas especialmente reservadas para os chamados VIPs em boates, arenas esportivas, shows ou no carnaval. E associam o fenômeno a recentes tensões geradas pelo acesso de camadas mais populares a shoppings, bairros nobres e até mesmo a algumas praias.(O Globo – http://oglobo.globo.com/sociedade/o-fenomeno-da-camarotizacao-15085003

[6] Título do seu Livro: No Princípio era a Roda, onde defende a tese de que as rodas de samba são o princípio e a semente de toda a cultura do samba e do carnaval.

[7] Conceito cunhado por Antonio Negri e Michael Hardt no seu livro “Multidão”

[8] No livro KorpoBraz de Giuseppe Cocco, é possível saber mais sobre essa força que agrega os corpos dos pobres (Cocco, 2015)

[9] – Não parece ser coincidência o fato do desfile do Monobloco no encerramento do Carnaval do Rio em 22 de fevereiro de 2015, ter reunido em uma rua do Rio de Janeiro a mesma quantidade de quinhentas mil pessoas que o Asakusa Samba Carnival, reuniu em uma rua de Tóquio, em 29 de agosto de 2014.

[10] Multidão e Estética como aquelas usadas por Bárbara Szaniecki para aprofundar os conceitos Multidão do filósofo e ativista Antônio Negri e da estética carnavalesca e popular de Mikhail Bakhtin no seu livro Estética da Multidão. (SZANIECKI, 2007)

[11]Por desterritorialização positiva do samba entende-se aqui aquela que embora seja dominada pela mobilidade, pelos fluxos nas redes e pelo hibridismo cultural, não se propões à precarização territorial dos grupos subalternos, como apontado por Haesbaert, em “O Mito da Desterritorialização”. (HAESBAERT, 2004)

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